quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Artigo de opinião de Boaventura de Sousa Santos,in "Visão"nº756

«O Descodificador

Frequentemente,um pequeno acontecimento revela aspectos da vida colectiva que, apesar de importantes,permanecem submersos na consciência dos cidadãos e na opinião pública.A destruição de um campo de milho transgénico no Algarve é um desses acontecimentos.Através dele revelaram-se,entre outras, as questões da legitimidade das lutas sociais,da propriedade privada,da influência dos interesses económicos nas legislações nacionais,do papel do Estado nos conflitos sociais e da possível nocividade dos organismos geneticamente modificados (OGMs)para a saúde pública.
As lutas sociais são frequentemente compostas de acções legais e ilegais.Os actos fundacionais das democracias modernas foram,quase sem excepção,ilegais:greves e manifestações proibidas,lutas clandestinas,insurreições militares(como o 25 de Abril),actos que hoje consideramos istas(como os do «terrorista»Nelson Mandela).Em certos contextos,os activistas podem escolher entre meios legais e ilegais(como no caso vertente),noutros não têm opção que não a da ilegalidade...
A propriedade privada é um alvo difícil,porque as concepções sociais a seu respeito são muito contraditórias e evoluem históricamente.Os primeiros impostos sobre o capital industrial não foram considerados violação do direito de propriedade?Há violações da propriedade privada que não causam qualquer comoção social apesar de serem graves,por exemplo,os salários em atraso.No caso dos transgénicos,o tratamento do direito de propriedade apresenta contradições flagrantes.Por um lado, a polinização cruzada faz com que as culturas convencionais venham a ser contaminadas pelos OGMs, o que, sendo uma violação do direito de propriedade,não levanta nenhum clamor.Por outro lado,um agricultor canadiano,vítima de polinização cruzada,foi obrigado a pagar uma indemnização à Monsanto,empresa de sementes,por ter violado o direito de propriedade desta (a patente) ao usar sementes que tinham sido contaminadas contra sua vontade.
Estas contradições decorrem do fortíssimo lóbi das grandes empresas de sementes,cinco ou seis a nível mundial,na legislação e nas políticas nacionais. Só essa pressão explica que Portugal - durante um tempo visto como refúgio da agricultura biológica e orgânica da Europa - seja hoje um dos seis países a aceitar os transgénicos; que a legislação portuguesa seja tão enviesada a favor dos OGMs que quase parece ter sido redigida pelos advogados das empresas; que o ministro da triste figura faça, de um campo de milho, um campo de batalha a exigir imediata ajuda humanitária;que os técnicos do Estado papagueiem,como ciência, os press releases da Monsanto e escamoteiem a questão principal: se os OGMs fazem mal às borboletas e outros animais inferiores porque não accionar o princípio da precaução?
Este lóbi encontra no caldo de cultura conservador da opinião pública o contexto ideal para estigmatizar a oposição aos seus interesses.E assim os activistas são transformados em «eco tas» ou «terroristas light».»

NOTA: Esta coluna foi dedicada pelo autor a Eduardo Prado Coelho


E porque me identifico totalmente com o conteúdo deste artigo, aqui o deixo para vossa reflexão!

3 comentários:

SF disse...

É muito tarde... desculpa, mas os meus olhinhos já misturam as letras. Venho ler-te amanhã, quando acordar... à noite!

SF disse...

Estou fartinha de cá vir e não ter nada de novo para ler...

Desafio-te... nos meus espaços perdidos :)

Beijinhos

Anónimo disse...

gosto mais da tatuagem ehehheh beijos pinoquio